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Foto do escritorIasmine Pereira

Aberta eu estava

Oi Dona Joana. “Cê viu, menina, esse tanto de fuligem? Tem aí na sua garagem também?”

Respondi, sem entender, apontando os pedaços queimados de samambaia, trocamos algumas amenidades e segui. Dona Joana é vizinha de porta. Senhora de 86 anos, nunca mais namorou depois de enviuvar, aos 65. Disse ser por falta de candidato.

“Não aconteceu, menina, aberta eu estava.”

Na Lins o caos se superou. A rua ainda mais suja, feito cidade abandonada de faroeste. O céu indeciso entre brigadeiro e efeito estufa. Entrei na Ismenia, na Alvaro Neto e o clima, que costuma melhorar por ali, ainda mais denso. A fuligem adentrava pelas narinas.


Caminhei em direção ao Parque da Aclimação, sem cogitar as respostas às impressões do quarteirão anterior. A quatro músicas de casa, numa playlist que passa por Elton John, The Temptations, Ben L´Oncle Soul e Phill Collins, esse caminho tem sido meu recurso no meio do isolamento - busco me sentir parte do todo - para onde levo questionamentos sem resposta. É um verdadeiro trabalho se acostumar a perguntar e não responder. Quem deita no meu divã sabe bem. “Pergunta que muda” - já estão treinados a ouvir. O que não sabem é do empenho necessário para se costurar boas perguntas. Mesmo sem resposta, a pergunta é transformadora.

Cheguei no lugar de costume, perto do lago – do lado oposto ao pôr do sol. As notificações do El Pais me levaram a desbloquear o celular. Não gosto da iluminação artificial quando há luz do dia. Foi feito um apagão. Uma secura no estômago, um frio que arrepia os pelos da bunda.

Nossa mata arde. Só naquele domingo, 22 de agosto, houve cerca de 1270 chamadas para incêndios em vegetação. “O Parque Estadual do Juquery teve mais de 80% de sua área queimada” - gole seco na água - e outras regiões foram parar no noticiário a respeito do mesmo tema. Tenho uma relação íntima com uma delas, a Serra do Japi. Uma vez aluguei uma casa por lá. Dormi feito bêbado após festa de casamento, acordei sem ressaca. Sol e frio – meu dia preferido.

A mata tem o poder de te transportar para outra realidade. É presenciar a natureza, como parte integrante dela. Você lembra quando fez isso? Esquecemos de perceber em nós mesmos o biológico. Isso me leva também ao Parque da Aclimação. Na bolsa, os restos não recalcados dos dias, das semanas, da vida. Naquele chão de folhas secas, sobre a velha canga furada, repouso as reflexões. Finjo ser o ar dali mais limpo que no quintal de casa.


Amazônia em 2009 - Arquivo pessoal

O Brasil encerrou 2020 batendo o recorde da década, com o maior número de queimadas. Só na Amazônia houve 15% mais desmatamento que no ano anterior, no Pantanal 120%. E esses números em 2021 são ainda mais catastróficos.” - as notícias e seus hiperlinks infinitos, excelente adubo para os obsessivos. Entre prédios e árvores, luz do sol e céu cinza, respiração de pó em frente ao lago, secura nas cutículas e pele feito lixa; mesmo com o fogo, mãos e pés congelam de ansiedade no sol, dentes tintilam mais que família italiana em dia de brinde.

As queimadas responsáveis por liberar gás carbônico e metano, gases que contribuem para o aquecimento global, podem mudar o clima do mundo” – governo de merda. A recuperação das matas levará décadas – ou séculos. Os “comentaristas do fim do mundo” se esquecem de que é a humanidade a se extinguir. A Terra dará seu jeito de existir para além do autoextermínio praticado enquanto espécie.

A cidade presenteada é com chuva de natureza morta. E ali – no meio de tanta planta viva, de água, de gente, de criança correndo atrás da bola de leite – respirei a vida de outra forma, autônoma, desconectada da realidade, da natureza.

Faz tempo falta ar. Manaus, cercada pela Amazônia, viveu dias desesperadores em janeiro sem oxigênio para tratar as vítimas de Covid, que no Brasil já se aproximam de 600 mil. Soma-se a isso, poluição, agrotóxicos, a economia em risco. Só em agosto as temperaturas variaram entre 33º e 3º. É, não há aquecimento global - como insistem em afirmar os membros e apoiadores da família que nos “governa”. E teve quem dissesse não haver candidato para presidência em 2018: escolher entre um professor e um cínico parecia difícil… Só não aconteceu. Aberta eu estava.

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